O Universo Cinematográfico Marvel e o novo cinema de produtor
Entre as décadas de 1920 e 1950, o cinema americano passava pela chamada Era de Ouro. O sistema de estúdios se consolidava, se tornando a forma mais forte e rentável de se fazer cinema.
O sistema funcionava mais ou menos assim: grandes empresários investiam em grandes galpões, onde construíam seus estúdios e gravavam todos seus filmes nesses espaços, com predominância de tomadas internas, onde podiam ter maior controle das circunstâncias da tomada, sem se preocupar com mudanças no clima, na luz, ruídos da rua, etc. Aliás, a localização geográfica de Hollywood, na Califórnia, tem relação direta com o clima do lugar, que permitia filmar o dia inteiro sem grandes problemas.
Além disso, o cinema era visto como indústria, ou seja, a ideia era vender filmes. Por isso, os principais estúdios não investiam apenas em produção, mas também em distribuição e exibição. Os donos dos estúdios compravam grandes salas de teatro e transformavam em cinemas, garantindo ao menos a exibição de seus filmes.
A palavra para definir esse período era controle. Todos os agentes de um filme eram vistos como funcionários do estúdio, e muitas vezes tinham contrato de exclusividade com determinado estúdio. Mais ou menos como eram as novelas da Globo. Quem orquestrava todo o funcionamento era o produtor. Isso significa que não era raro um produtor mudar o diretor e até o roteirista quando julgasse adequado.
Outra característica fundamental desse período do cinema era o Star System. Os atores e atrizes assinavam longos contratos com o estúdio. O estúdio podia até considerá-los como meros funcionários, mas com certeza convenciam o público de que seus atores eram estrelas. O controle da carreira dos atores não ocorriam apenas dentro do set, mas em toda a aparição pública da estrela. Isso envolvia questões como cirurgias plásticas, namoros arranjados e uma série de proibições, e várias outras questões ligadas à imagem midiática. Quebras de contrato nesse sentido davam multas.
A motivação era a garantia de público para alguns filmes, apenas pela presença de determinado ator ou atriz. Não posso deixar de citar que isso se tornou problemático e em muitos casos abusivo com a vida pessoal de muitos artistas.
Nesse período eram produzidos muitos filmes, alguns de alto orçamento e outros com menos investimento. Os filmes de alto orçamento custavam fortunas e, salvo em períodos de crise, geravam ainda mais dinheiro.
Um caso interessante para citar, é o caso da Universal. A Universal não chegava a ser um dos grandes estúdios do período, mas com certeza estava por ali. Esse estúdio foi importante para a popularização do gênero de terror. Inicialmente, foram lançados filmes como Drácula, Frankenstein, a Múmia. Com um investimento baixo e um bom retorno, a Universal continuou explorando os personagens, e rompeu as fronteiras entre os filmes, passando a misturar personagens de diferentes filmes em um só. Sim, em plena década de 1940, já estava estabelecido um universo cinematográfico compartilhado. Você quer, @marvel?
Outro filme da Universal nesse período que vale a pena citar é O Monstro da Agua Negra, que é uma clara inspiração estética para A Forma da Água, do Del Toro.
Agora chegamos na Disney, principalmente com os do universo cinematográfico da Marvel. O que eles criaram aqui possui fortes relações com esse tipo de cinema. Primeiro, a produção de filmes corresponde a um projeto maior do que o singular de cada filme, mas um projeto do estúdio, que a partir da figura dos produtores insere diretores e roteiristas específicos para alcançar um tipo de filme. Um exemplo do tipo de conflito que isso gerou é a saída do Edgar Wright da direção de Homem-Formiga. Essa notícia dá um pouco da ideia de como se trabalha nessa mentalidade.
Outro aspecto é a criação de um Actors System, que forçando um pouco a barra pode ser chamado de Star System. A presença dos atores é fundamental para a divulgação dos filmes (vide Comic Cons mundo afora). E outra, mesmo com um sistema de contratos diferente dos contratos dos anos 40, esse tipo de projeto precisa garantir a presença dos atores por um tempo, pois um filme já é feito pensando no próximo. Além disso, esse sistema de estúdio também garante a reutilização de locações e cenários de outros filmes.
Outro aspecto presente nesse novo modelo é a utilização de uma série de empresas e tecnologias para garantir a qualidade técnica dos filmes. Isso era feito no cinema clássico, por exemplo com a utilização de Techinicolor, e feito de maneira ainda maior nos filmes de herói com efeitos especiais. Segundo o IMDB, em Guerra Infinita foram 28 empresas para realizar apenas os efeitos especiais.
Novamente, vemos que o que a Disney criou remonta, guardadas as devidas proporções, a algo que não é assim tão novo. A grande questão é que hoje os objetivos para esse controle da produção nas mãos dos produtores, onde até as tomadas de risco e aparente liberdade criativa dos diretores são calculadas, possuem um objetivo que vai além do cinema em si. Enquanto antes o fim da cadeia era a exibição, hoje a exibição é apenas a ponta do iceberg.
Principalmente com os universos Marvel e Star Wars, o cinema dá lucro, mas proporcionalmente ainda é só uma vitrine, onde é preciso exibir sempre novos visuais e aparências para os personagens, para vender o próximo filme, ou principalmente objetos: Brinquedos, mochilas, lancheiras e tudo que você conseguir imaginar.
Principalmente quando esse modelo alcançou um status de segurança, os filmes passaram a nunca se fechar neles mesmos, nunca satisfazer. Pelo contrário, sempre tem uma ponta solta, uma frase que sugere a aparição de um personagem dos quadrinhos para o próximo filme, uma cena pós créditos, um novo poder, e assim vai.
Já o modelo de franquiar, e vender direitos de exploração para outras mídias ou produção de brinquedos, jogos, mochilas foge ao cinema clássico, e só se tornou uma prática lá pelos anos 1980. Ainda assim, antes disso adivinha quem já estava abrindo um parque de diversões ligado a um grande estúdio? O tal do Waldisney! Mas isso é história para outro texto…