Bridge of Clay — Quando nosso autor favorito nos decepciona
Conheci o autor australiano Markus Zusak a partir do sucesso do best seller A menina que roubava livros, lançado em 2005, obra que foi adaptada para o cinema em 2013.
A experiência da leitura do livro foi na minha adolescência foi arrebatadora. Lembro que chorei por quase uma hora depois de terminar o livro, não apenas pelos encadeamento das ações da história narrada, mas principalmente pela forma que tudo é construído e contado. O autor parece mais interessado em apresentar personagens cheios de manias, contradições, sonhos e dores, onde a história se dá apenas como o palco para que todo mundo tenha o seu momento. A linguagem poética, onde o autor adota um caráter contemplativo para as cenas rende frases lindas, daquelas de copiar e postar nas redes sociais.
O próximo livro de Zusak que li foi Eu sou o mensageiro, lançado em 2002, o livro imediatamente anterior ao A menina que roubava livros. Esse livro está longe de ser a obra prima que é o outro, mas ainda consegue construir cenas brilhantes e me apresentou melhor o estilo do autor. A escrita do autor é sempre auto reflexiva e em primeira pessoa. E sem dúvida todos os livros tratam do mesmo assunto: amadurecimento e construção de identidade. Esse livro intercala situações completamente inusitadas, como a organização de uma festa na igreja distribuindo cerveja grátis com direito a um cartaz escrito “vai ser uma festa dos diabos!”, com situações bem sérias e dramáticas, como a superação de uma situação de violência doméstica.
Finalmente, o terceiro livro, ou melhor, os próximos livros que li do autor foi a trilogia dos irmãos Wolfe. Aqui, temos um autor mais infantojuvenil do que nunca, além de menos experiente e mais cru. Isso se reflete sem duvidas em furos na historia e problemas de fechamento dos arcos, assim como em mudanças no ultimo livro, inclusive por solicitação da editora para se tornar mais interessante comercialmente.
Por outro lado, a trilogia trata de questões de família, discute a construção da masculinidade, formação de identidade e revela uma versão mais potente do estilo do autor, sendo ainda bastante poético e entregando uma narrativa reflexiva, irônica e equilibrada entre o drama e o humor.
Desde que li o primeiro livro, ouço falar sobre O Construtor de Pontes, ou Bridge of Clay, o próximo livro do autor depois de A menina que roubava livros. O autor falava sobre estar trabalhando nessa obra desde meados de 2008. Seria a primeira obra do autor depois do sucesso mundial, e havia grande expectativa para o resultado, seja para quem conhecia só o best seller do autor, seja para quem conhecia toda a sua bibliografia. A historia a respeito de meninos órfãos, com um protagonista que constuía uma ponte, e a partir disso transformava a si mesmo e a todos ao seu redor parecia bastante promissora, mas passavam-se os anos, e o autor adiava cada vez mais o lançamento.
Aqui, cabe novamente uma analise da situação: Um autor escreve livros despretensiosamente, com um estilo bem característico, uma base de fãs e tira disso seu sustento. Esse mesmo autor lança um livro de sucesso mundial estratosférico. Seria possível voltar a ser o mesmo autor despretensioso? Como escrever qualquer coisa quando as expectativas dos fãs e das editoras do mundo todo estão bem altas? Isso tudo ajuda o autor a ter mais confiança e maturidade, ou só cria uma atmosfera difícil para escrever?
Bom, e finalmente no final de 2018 o livro foi lançado. Inicialmente, vi críticas bem contrastantes. Quando lia críticas negativas, pensei que eram por conta da expectativa comparada ao A menina que roubava livros. Eu era diferente, era um fã das outras obras, mesmo identificando os problemas. Aí comecei a leitura, e bem… Não foi exatamente o que eu queria.
Quando li o livro, encontrei sem dúvidas o estilo do autor, personagens cheios de manias, um olhar poético sobre as cenas cotidianas. Mas sentia que faltava algo. O que eu senti, é que o autor lutava com a história, que ele precisava colocar aquela história para fora, mas não conseguia fazer isso de maneira suave e natural.
O resultado é que o arco principal é fraco, enquanto o arco secundário, que conta a história dos pais de Clay no passado, entrega o que eu como fã esperava do livro. O problema é que o arco secundário não dura o livro todo, e está no meio de tantas outras cenas que achei inconclusivas. Quando o livro apresenta Carey Novac, fiquei esperando o grande momento entre ela e Clay, mas no fim, o que acontece parece apenas uma conclusão preguiçosa, e sem o impacto necessário. Além disso, as relações tóxicas de masculinidade e violência, que eu conseguia relevar na primeira trilogia, me parecem mais romantizadas que criticadas.
Dito tudo isso, é com pesar que esse texto foi escrito para dizer que eu não gostei do livro. Eu ainda leria até bula de remédio escrita pelo Zusak, mas esse livro me fez sentir que o autor colocou mais coisa nas páginas do que deu conta de trabalhar, e esse livro, mais que os outros, revelou um problema do autor em finalizar suas histórias. Ouso dizer inclusive que o único livro que o autor termina de maneira realmente satisfatória é o A menina que roubava livros.
Devo dizer ainda que Clay é um protagonista tão sem sal que não consigo ver uma mudança realmente grande entre como ele começou e terminou a história. Para ser indulgente com o livro, quase nada que falei se aplica aos capítulos que contam a história de Penny Dunbar. Mesmo sabendo desde o começo de seu destino trágico, cada página de sua trajetória é um presente para o leitor. E talvez justamente em contraste com essa parte que me decepcionei tanto com o resto. Se no meio do livro, o nível estava lá em cima, esperava que chegando no final, iria ter uma recompensa maior.