E o vento levou: A anatomia de um clássico
Desde pequeno, sempre que falava de cinema com minha mãe, ouvia que existia um tal filme que ela tinha visto quando pequena, que era muito bonito e muito triste, um filme que falava de guerra e de amor. O filme era E o vento levou.
Ainda na infância, ouvi falar outras vezes do filme, com uma história de que era um filme tão longo que não cabia em uma só fita VHS, e era preciso trocar de fita no meio da exibição. O filme ficou na memória como “um dia quero ver esse filme”.
Anos mais tarde, já na faculdade, em uma disciplina de trilhas sonoras, vi pela primeira vez algumas cenas do filme, onde o professor explicava o uso de Leitmotiv para representar a protagonista e sua terra Tara. Aquele céu laranja e o uso da música me tiraram qualquer dúvida que restava de que eu estava de frente para um clássico do cinema.
Sucesso de público
O filme foi um sucesso tão grande de bilheteria, que com o ajuste da inflação ainda está em primeiro lugar no ranking de filmes mais lucrativos de todos os tempos. Além disso, graças a David O. Selznick, a MGM e uma série de negociações dos direitos da obra, o filme foi relançado umas 10 vezes. E em todas as vezes, arrecadou muito bem.
A anatomia de um clássico
Mas quais são os elementos que tornam o filme um clássico do cinema? O que tornou o filme tão atrativo para o público?
Roteiro
Inspirado em um livro da escritora Margaret Mitchell, sobre a Guerra Civil Americana, que fez enorme sucesso no país, o roteiro do filme se dedica a transpor o livro todo para o cinema. Sério, o roteiro tenta não deixar nada de fora. A pegada melodramática e ingênua da protagonista, e sua transformação em uma personagem forte é bastante interessante no decorrer da história. O roteiro e a forma que a história é contada sem dúvidas foram essenciais para o sucesso com o público. O filme tem inúmeros diálogos marcantes, que representam muito bem o trabalho do roteiro e da direção de atores.
Por outro lado, o filme é merecidamente criticado pela forma que representa as personagens negras, de maneira estereotipada, e até glorificando a escravidão. Eu poderia passar pano e dizer que o filme deve ser visto como um fruto da sua época, mas a verdade é que até quando foi lançado, essas questões já incomodavam, hoje devem ser vistas como inaceitáveis.
Trilha sonora
As músicas que representam temas no filme são uma aula de trilha sonora. O uso do Leitmotiv, sobretudo o tema de Tara, que aparece em diferentes momentos, sempre glorificando a terra de Scarlet, ao mesmo tempo que carregando uma certa nostalgia é magnífico. A música carrega e eleva a sensação de grandiosidade do filme que grita “clássico”.
Design de produção
Design de produção não é apenas uma categoria secundária do Oscar que ninguém entende direito, mas corresponde a tudo que será construído para constituir o conceito visual do filme. Que? Não entendi!
É a construção dos cenários, objetos, figurinos, maquiagem, e todos os elementos de construção do que vai aparecer em tela. É quase, mas não exatamente, diferente de direção de arte.
E o filme impressiona até hoje por esses aspectos. Começando pelo figurino, o filme merecia uma análise só para ele. Os vestidos de Scarlet contam a história do filme, e revelam a condição financeira da protagonista. Em uma cena, ela faz um vestido a partir de uma cortina, que se tornou um dos vestidos mais icônicos do cinema.
Os cenários também são essenciais para o filme, e são inesquecíveis. Arrisco dizer que boa parte da história do filme é contada em escadas das diferentes casas por onde Scarlet passa.
Apesar do filme ser predominantemente um filme doméstico e baseado em intrigas familiares, existe um pano de fundo de guerra. Tudo que é mostrado nesse quesito é grande, dando uma impressão de que a guerra é algo grande, devastador e muito além do controle de qualquer personagem da trama. Novamente mérito da equipe de arte do filme.
Fotografia
Mas nada desse design de produção seria visto se não fosse um trabalho exemplar da fotografia. O filme tem cores vibrantes que são tão características que podem ser usadas para definir “o laranja e o vento levou”. As escolhas de tomadas muito abertas, revela o primor da construção dos cenários. Os planos mais fechados mostra o bom trabalho da direção dos atores. A frase “cada frame é uma pintura” se aplica muito bem nesse filme.
O que faz um clássico
É muito comum ver pessoas na internet se referindo a filmes contemporâneos coisas como clássicos para dar a eles um atestado de qualidade. Eu argumento que não, nem todo filme bom é um clássico. E arrisco dizer ainda que nem todo clássico é bom (Cof cof Griffith, seu lixo).
O que define um filme clássico é ser produzido em um período clássico. E o vento levou é um clássico porque foi produzido durante a Era de Ouro de Hollywood, e acompanha todas as características desse período do cinema. O resto é moderno, pós-moderno, seja lá o que mais, mas não é clássico.
Usamos clássico como sinônimo de bom e marcante porque os filmes clássicos que sobreviveram até hoje são os mais importantes e marcantes da época.
E para finalizar, deixo aqui uma cena onde podemos ver quase todas as características que citei nesse texto!
É isso, espero que vocês leiam e gostem do meu texto. E se vocês tiverem indicações de coisas pra eu escrever sobre, comentem!