Heartstopper: Um quadrinho de parar o coração.
Envolvimento emocional é a coisa mais preciosa que um autor pode conquistar ao construir uma obra de ficção. Quando uma obra consegue tocar no coração de seu público consumidor, é muito mais fácil relevar suas falhas, e deixar o racional de lado. Fazia muito tempo que uma obra não me tocava tanto nas entranhas quanto a HQ Heartstopper, escrita por Alice Oseman.
Para ser sincero, até o trailer da adaptação dos quadrinhos pela Netflix pipocar na minha timeline, eu nunca tinha sequer ouvido falar da autora, seus livros ou da HQ. Mas vendo os comentários do trailer, descobri do que se tratava, e fiquei bastante curioso para ler. E que surpresa boa!
Veja, Heartstopper é um quadrinho voltado para o público Young Adult, o que faz sentido quando os cenários e situações que ambientam a história são os clichês casa, escola, aulas de educação física e festas em casa. A história se passa na Inglarerra, e apesar de algumas poucas “britanices”, poderia se passar em qualquer lugar. E bom, caso você tenha chegado até aqui sem fazer ideia do que é a história desse quadrinho, vamos falar um pouco sobre ela.
Charlie, um garoto gay de 14 anos tipicamente nerd conhece Nick, um atleta do rugby, popular e querido na escola. Os dois ficam amigos, e Charlie aos poucos desenvolve um crush no colega. Os amigos de Charlie são os típicos excluídos, mas super cool. Os amigos de Nick são os populares, mas muito básicos. Com esse resumo, a gente percebe que a história desenvolvida por Alice Oseman não tem praticamente nenhum elemento super original.
Mas não é em uma trama cheia de reviravoltas que Heartstopper se sustenta. É na forma sensível e otimista que cada cena é construída. E me perdoem o spoiler, mas não é nenhuma surpresa que Charles e Nick se apaixonam e se beijam no final do primeiro volume. E saber disso não importa. De verdade. O legal de ler Heartstopper é ver o caminho percorrido, as mudanças sutis de cada personagem dentro da narrativa. Muito do que a obra passa não está nos diálogos, mas nas ilustrações lindíssimas feitas pela própria autora.
Outro ponto positivo na obra é a forma que a autora trabalha com temas sensíveis de maneira muito responsável. A obra trata de temas típicos da adolescência, como bullying, saúde mental, conflitos familiares, insegurança e relacionamentos abusivos. E esses temas são inseridos no fluxo do dia-a-dia, e o que traz um certo realismo para esses temas. E nada se resolve magicamente, o que também é importante. Os traumas de cada personagem continuam com ele ainda que as situações que os geraram tenham se resolvido.
Outro tema abordado de forma sensível e poderosa é gênero e sexualidade. Além de um protagonista gay, temos diversos outros personagens de diferentes espectros de gênero e sexualidade. E apesar da obra trazer, sim, conflitos em relação a isso, o tom geral de Heartstopper é positivo, e cria um lugar de conforto e aconchego no leitor. Mesmo com os problemas, a Inglaterra de Heartstopper é um lugar onde as diversidades têm seu lugar. Os amigos se apoiam, se entendem e se respeitam.
Para mim, particularmente, ler Heartstopper com 26 anos foi como revisitar um amor adolescente que eu nunca tive a oportunidade de viver. Toda a fase de inseguranças, inocência, descobertas, e amor faz com que essa seja uma obra para ser lida com as entranhas, não com o racional.
Para finalizar, não posso deixar de reforçar o quanto o quadrinho só funciona de forma tão poderosa pelo domínio que a autora tem em construir cada página esteticamente e narrativamente. Tive que parar de ler muitas vezes para apreciar o quanto cada trecho é fofo. E estou realmente ansioso para ver como cada parte será adaptada para a série da Netflix, que estreia em um mês.