O melhor (e o pior) que vi na TV em 2020
2020 foi um ano muito complicado para todo mundo. Com mais tempo em casa e alguns meses de desemprego, tive a oportunidade de assistir algumas coisas antigas que estavam há tempos na minha lista, assim como alguns dos lançamentos desse ano. Então nesse texto vou comentar um pouco de tudo que passou pela minha TV esse ano.
The Good place (4ª temporada)
The Good Place é aquele tipo de série gostosa e engraçada para assistir quando não quer pensar muito. Os personagens passam por uma jornada de autoconhecimento e enfrentam seus fantasmas do passado, mas nunca de forma pesada. A conclusão da série é agridoce, mas muito satisfatória. O especial termina e dá para o espectador a sensação de fechamento. Como uma série escorada nos personagens, a divisão de tela e o destino de cada um deles é leve e emocionante.
E é tão gostoso quando uma série consegue encerrar sua história no ponto certo, sem aquela sensação de esgotamento do formato.
Bojack Horseman (6ª temporada)
Para mim, Bojack Horseman é de longe a melhor produção original Netflix. Depois de seis temporadas, a série consegue se manter atual e trazer novas camadas para personagens antigos. A complexidade das relações apresentadas durante toda a história não se resolvem de forma mágica, mas são retrabalhadas em cada episódio. Enquanto nas temporadas anteriores, novos caminhos são trilhados, quase sempre culminando no caos trágico, nessa temporadas o protagonista enfrenta seus fantasmas do passado e busca redenção.
Bojack é profundamente elaborada em sua filosofia e na psicologia dos seus personagens, ao mesmo tempo que consegue trazer isso nas situações por vezes de forma mundana e outras de forma simbólica.
O diálogo que encerra a série é de quebrar o coração. É lindo, fala sobre propósito, sobre o sentido da vida e não resolve nada. Dá uma sensação de continuidade, não da série em si, mas da vida como um todo para além daqueles episódios.
BBB 20
Eu sei, eu sei. Talvez fosse melhor eu ler um livro. Mas é inegável que a edição do BBB de 2020 teve algo de diferente. Talvez a escolha do elenco. Talvez os fatores externos do contexto dos lares brasileiros. A verdade é que nunca me planejei para assistir Big Brother, e acho que a última edição que tinha acompanhado foi em 2005.
Ainda assim, eu estava lá acompanhando as fofocas, torcendo nas provas, assistindo as eliminações.
Acho que grande parte da graça do BBB não está na qualidade audiovisual da produção, mas na oportunidade que o reality dá para interagir com os amigos. Comentar tudo que acontecia me aproximou muito dos meus amigos, o que permitiu fortalecer vínculos que foram essenciais para enfrentar esse ano dentro de casa. Além disso, os memes criados nessa edição, como a briga entre Rafa Kaliman e Flayslane, o paredão icônico entre Manu e Prior, a Mari Gonzales entendendo tudo errado quando falavam foram grandes momentos para o entretenimento de baixo nível que só quem tem bom gosto consegue apreciar.
Tiger King: Murder, Mayhem and Madness
E falando no melhor do entretenimento de baixo nível, temos a fantástica série documental história de Máfia dos Tigres, que acompanha Joe Exotic e reconta eventos do submundo dos criadores de grandes felinos nos Estados Unidos. A série explora não apenas as polêmicas envolvendo as condições de criação, tratamento e exploração dos animais e as condições de trabalho dos diferentes criadores que aparecem na série além do próprio Joe, como Carole Baskin e Doc Antle, como também das polêmicas envolvendo a vida pessoal de cada um, que envolve quase sempre dinheiro e seu modo de vida como criadores.
Essa é mais uma série que teve sua popularidade relacionada aos primeiros meses da quarentena, e talvez seja bem menos relevante de ser assistida agora.
The Circle Brasil
E seguindo na linha da série anterior (sim, eu queria deligar meu cérebro nessa época do ano), temos The Circle Brasil.
The Circle faz pouco ou nenhum sentido enquanto reality show. Seus participantes ficam isolados em quartos de hotel e interagem apenas através de uma interface de inteligência artificial que funciona de maneira próxima de uma rede social chamada The Circle. Os participantes publicam fotos e conversam por chat, sempre buscando a aprovação dos outros para seguir no jogo. A sacada é que a pessoa pode criar um fake tal qual nas redes sociais, e se passar por outra pessoa.
O elenco da temporada oscila entre o carismático e o bizarro, e as regras do jogo não são muito claras. Participantes são acrescentados no meio do jogo, e a cada episódio temos uma surpresa sobre o rumo da temporada.
É horrível e maravilhosa. Não acrescenta nada na minha vida, mas se estiver passando, vou com certeza parar para assistir.
The Office
Logo depois, comecei a assistir The Office, que estava na minha lista há alguns anos. The Office é uma série muito importante, que ditou o que seria a comédia depois de seu lançamento.
Pra quem não sabe do que se trata (onde você esteve nos últimos anos?), série é o remake americano e de uma série britânica e retrata o cotidiano dos funcionários da empresa de papel Dunder Mifflin.
Uma das séries inaugurais da Workplace Comedy, The Office revelou grandes talentos como Steve Carell e se tornou uma grande referência na comédia em geral. Pra quem consegue lidar com as situações desesperadoras de vergonha alheia, The Office é uma das coisas mais engraçadas já feitas.
Por mais que seja um pouco antiga (em um mundo de streaming), a série continua tão divertida hoje quanto na época que foi feita.
Assistir The Office foi a melhor decisão que tomei esse ano, sem dúvidas.
Westworld (3ª temporada)
Quando foi lançada, Westworld era uma grande promessa para uma HBO pós Game of Thrones manter sua audiência. E a primeira temporada realmente foi de qualidade impecável e se destacou naquele ano.
Duas temporadas depois, Westworld mostra grande desgaste. A mudança do cenário, que deixa o parque um pouco de lado para mostrar a sociedade do lado de fora, acabou tirando um pouco da originalidade estética da série.
Os atores ainda estão fantásticos, mas os conflitos corporativos pelo controle do mundo tomaram o lugar do desenvolvimento psicológico e as questões filosóficas entre homem e máquina que eu tanto gostava nas temporadas anteriores.
Ainda assim, algumas questões trabalhadas ainda são muito interessantes, como a possibilidade de criação de uma cópia exata, as possibilidades do virtual e a discussão do livre arbítrio em uma sociedade de informação e espionagem.
Tenho interesse para acompanhar as próximas temporadas, mas já com bem menos empolgação.
Yakusoku no Neverland/The Promised Neverland (1ª temporada)
Depois de ver muitos amigos comentando, decidi dar uma chance para esse anime. Com apenas 12 episódios, a primeira temporada possui um ritmo frenético e consegue prender o espectador do primeiro ao último minuto.
Como muitos animes mais recentes, a história parte de um mundo bem fechado dos quais os protagonistas fazem parte. Pouco se sabe para além da vida cotidiana, e as informações são reveladas aos poucos durante os episódios. É o tipo de anime que faz a gente pensar “Que coisa horrível e perturbadora de se assistir! Vou ver mais um”. Não pela qualidade técnica, mas pelo conteúdo. É o tipo de produção que mexe com nosso interesse mórbido.
É algo rápido de assistir, e que vale muito a pena. Não me decepcionei.
Dark
E chegamos em uma das queridinhas do ano. Com o lançamento da terceira e última temporada, Dark foi um sucesso gigantesco. A série alemã de mistério que envolve viagem no tempo e as mais complexas relações familiares dos últimos tempos foi minha grande decepção.
A diferença de Dark e as outras séries ruins que vi no ano é que as outras eu já assisti esperando serem ruins. Dark me foi vendida como uma série de grande qualidade, e eu fui com grandes expectativas.
A série tem qualidade técnica. Os atores e a caracterização são realmente impressionantes, mas o problema é o plot. É visível que a série não tinha um planejamento de onde queria chegar, o que trouxe inúmeras inconsistências narrativas. Personagens que aparecem e desaparecem sem ter um objetivo claro na história e são raras as ocasiões em que eu realmente me importava com os personagens e/ou torcia por eles. Ô povo sem carisma, hein?
E o final. Podemos dizer que a série entrega um fechamento, mas que final preguiçoso. Parece que tudo que acontece no caminho da série não é consequência das ações anteriores, mas que tudo é um tanto aleatório. E isso não é culpa das viagens no tempo, mas do roteiro mais furado que a tessitura espaço-temporal da cidade de Winden.
Erased
E falando em viagem temporal, assisti a série Erased, inspirada em um mangá do mesmo nome. O protagonista possui uma habilidade de voltar no tempo e modificar eventos do passado, alterando consequentemente o futuro. A viagem no tempo em Erased transporta a mente do protagonista para seu corpo no passado.
Depois de uma série de eventos que não vou especificar para evitar spoilers, Satoru volta para sua infância e tem a chance de alterar eventos que aconteceram muitos anos antes, salvando a vida de muitas pessoas. Mas com a volta no tempo, Satoru é só uma criança, e terá que agir com todas as limitações dessa condição.
Ah, os japoneses tem uma sensibilidade ímpar para contar esse tipo de história. O uso da viagem no tempo aqui soam como apenas um meio para desenvolver a narrativa e os personagens. Inúmeros episódios tem cenas de tirar o fôlego, capazes de nos fazer pular na cadeira ou chorar aquele choro contemplativo de ver uma cena bonita.
A história é muito sobre como as escolhas que tomamos afetam nossa realidade e das pessoas ao nosso redor e o dilema entre fazer o que é certo para o outro, mesmo que nos prejudique, ou fazer o que é melhor para nós, mesmo que prejudique ao outro.
Normalmente não sou o maior fã de adaptações live action de mangás, mas essa é uma deliciosa exceção. Recomendo demais pra todo mundo.
Lovecraft Country
Lovecraft Country é o tipo de série que eu já sabia que seria boa antes de dar play. Com Jordan Peele e J.J Abrams na produção, eu já sabia que ao menos bem produzida a série seria. Quando assisti o piloto eu fiquei enlouquecido. Sem dúvidas foi o melhor primeiro episódio do ano.
A estética da série e o desenvolvimento narrativo que oscila entre o linear e o episódico, dando destaque para diferentes personagens, alguns que inicialmente pareciam secundários, foi uma jornada bem gostosa de assistir.
É o tipo de série que consegue tratar de questões importantes sem deixar de ser divertida e eletrizante do começo ao fim. A presença de um elenco com maioria de pessoas negras e mulheres está diretamente relacionada ao tipo de história contada. Referências culturais pipocam por todo o lado, com destaque para a excelente trilha musical e sonora da série.
A única decepção foi o final. A série deu uma caída nos últimos episódios e teve um encerramento que se não chega a ser ruim, é com certeza clichê e inferior ao restante da temporada.
Ainda assim, Lovecraft Country é um dos melhores lançamento do ano, e com certeza irá receber indicações e até levar inúmeros prêmios no próximo ano.
I may destroy you
E falando em melhores séries do ano, chegamos naquela que pode ser a melhor série do ano. I may destroy you, da genial Michaela Coel.
Com teor autobiográfico, Michaela constrói um retrato do mundo contemporâneo em uma mistura perfeita entre drama e comédia. A série fala de saúde mental, diversos tipos de abuso, relações de trabalho, uso de drogas, relações de amizades e diversas outras questões.
E série não se limita a representar as situações de abuso, mas tem uma sensibilidade ímpar para retratar as consequências psicológicas das vítimas e como isso afeta de forma diferente pessoas com personalidades diferentes.
E diferente de Lovecraft Contry, que tem um final mais clichê, o final de I may destroy you é uma das coisas mais criativas que eu já vi na televisão. É nesse final que Michaela Coel se mostra gigantesca e garante seu nome como uma das melhores roteiristas e atrizes do ano.
Muitas pessoas compararam o que ela fez esse ano com o que Phoebe Waller-Bridge fez em Fleabag. Acho a comparação pouco produtiva, já que são estilos bastante distintos, mas torço para que Michaela seja tão premiada e reconhecida no próximo ano quanto Phoebe foi no anterior.
We are who we re
Confesso que pouco me empolguei quando soube sobre essa série do Luca Guadagnino, mas me surpreendi positivamente.
We are who we are é um retrato muito interessante da juventude de hoje, aquela que quando eu assisti percebo que cada vez menos faço parte. A série é bastante indenitária e retrata um grupo de adolescentes residentes de uma base militar dos Estados Unidos na Itália.
A série mostra o dia-a-dia desses jovens, suas festas, a descoberta do amor, da sexualidade e das questões de gênero. O estilo de Guadagnino é bem leve e gostoso de assistir, mesmo nas cenas mais tensas. O diretor consegue criar um ambiente de acolhimento para essas descobertas, sem isentar os personagens do sofrimento, tanto aquele passageiro e típico da adolescência quanto aquele inerente da condição humana.
O caminho dessas descobertas por vezes parecem guiar a história para alguns lugares sombrios, mas o diretor consegue reverter quase todas as situações de forma natural, e trazer uma resolução agradável e o episódio final mais terno que assisti esse ano.
3% (4ª temporada)
A atuação e o nível de produção estão melhores que nunca nessa última temporada de 3%. A série já estava desgastada faz um tempo, mas é bom finalmente ter uma conclusão.
Uma série desse tipo não poderia ter senão um final agridoce, e a temporada se sustenta até que muito bem. Marcela, a personagem de Laila Garin rouba a cena, e resultou em algumas das melhores cenas da temporada.
A última temporada foi melhor que as anteriores, mas recomendo apenas para quem já acompanha desde o início. Não acho que vale uma maratona.
Coisa mais linda (2ª temporada)
Coisa mais linda é uma novela de curta duração. Com um elenco fenomenal e situações bem folhetinescas, a série brasileira é divertida, mas não chega a nos fazer pular da cadeira.
A segunda temporada manteve a qualidade da anterior, e trouxe novos núcleos e situações, principalmente ao dar destaque para a irmã de Adélia, Ivone, que sonha em ser cantora e a carreira de Teresa como jornalista.
Novamente, a série traz discussões sobre opressão de gênero e raça, e faz um paralelo bastante didático entre o feminismo branco e negro. Os personagens representam seus tipos sociais, ao mesmo tempo que trazem características bastante individuais. Como eu disse, a sensação é estar assistindo uma novela, e das boas.
Boca a Boca
Boca a boca é uma série adolescente de horror/mistério brasileira. Uma das criadoras é a diretora Juliana Rojas, que já fez seu nome no terror nacional com seus filmes.
A série é tudo que se espera de uma série adolescente da Netflix. Adolescentes vão à uma festa e são infectados com uma doença misteriosa, transmitida pelo beijo de boca a boca. A doença muda o comportamento dos infectados e os mata aos poucos.
O roteiro não se aprofunda muito, mas tem momentos interessantes que destacam a luta de classes e a hipocrisia da cidadezinha em que a história se passa.
O ponto alto da série é estética e a tilha sonora. O uso de neon e efeitos sonoros psicodélicos em oposição ao cenário interiorano da pacata cidade criam uma mistura interessante. O maior problema da série a introdução de muitos elementos distintos com pouco tempo para se aprofundar em cada um deles.
É uma série interessante, mas que não renderia muitas temporadas. Ainda assim, é bem possível que seja renovada para um próximo ano, afinal é uma série da Netflix.
The Leftovers
Finalmente, mais para o final do ano, comecei a assistir as 3 temporadas de The Leftovers, uma série da HBO.
A série se passa em um mundo depois que uma parcela da população simplesmente desapareceram sem deixar rastros e sem prover qualquer explicação. A série não é exatamente sobre esse mistério, mas como o próprio nome já diz, é sobre quem ficou para trás lidou com o ocorrido.
The Leftovers é uma aula de como construir personagens e diálogos, principalmente minha favorita, Nora Durst, que perdeu o marido e os dois filhos e tenta seguir a vida. A série segue uma estrutura linear, mas cada episódio dá mais ênfase para determinado personagem, às vezes os protagonistas e por outras personagens menos centrais.
Essa é facilmente uma das melhores séries da década, e trata de maneira muito profunda e simbólica o luto e a busca por um sentido em tudo que acontece à nossa volta. O sobrenatural aqui aparece como forma de encaminhar a história, e é tão caótico e fora do controle das pessoas, que por vezes soa como a vida dando um propósito e por outras soa como a vida caçoando da cara.
O simbolismo na série repete motivos mitológicos e cria uma realidade que eu chamaria de um realismo fantástico. É muito eficaz a alternância entre as cenas do cotidiano e as cenas mais simbólicas, que por vezes faz o próprio espectador questionar o que é a realidade concreta do mundo da série e o que é delírio dos protagonistas. Outro destaque é o uso da trilha sonora, sobretudo a música tema principal que aparece nas cenas mais importantes, que se colocada em qualquer imagem cria tem o poder de transforma-la em uma grande cena.
Por mais que 2020 tenha tido excelentes lançamentos, o que ganhou meu coração nesse ano difícil foram as séries antigas inéditas para mim, como The Office e The Leftovers. E a grande decepção foi Dark! Que série horrível!