Por que The Office é uma série tão boa?
The Office é uma série americana, exibida originalmente pela NBC entre 2005 e 2013. É uma das séries mais populares de todos os tempos, e muito querida pelo público. Para se ter uma ideia, é a série mais vista na Netflix nos Estados Unidos.
A série foi inspirada em uma série britânica da BBC, mas não é dela que vou falar hoje.
Apesar desse sucesso todo, eu só fui dar play na série agora em 2020. E não consegui parar até terminar as 9 temporadas. A série é daquele tipo que você vai ficando triste quando está terminando porque sabe que nada vai ser tão bom quanto aquilo. Mas o que torna a série tão boa?
O formato
The Office é uma sitcom, ou seja, comédia de situação. São aquelas séries de 20 minutos, com personagens vivendo situações variadas e frequentemente absurdas em algum espaço. A série ainda se encaixa em um subgênero da sitcom chamado workplace comedy, ou comédia do espaço de trabalho. 90% dos acontecimentos da série se passam no cenário construído para ser o escritório da Dunder Mifflin em Scranton.
Não sei dizer se a série foi a primeira a utilizar o formato, mas com certeza é uma das pioneiras, e arrisco dizer que é a principal referência no formato para todas as que vieram depois. Mais ou menos como Friends foi para todas as sitcoms de apartamento.
Uma das coisas que a série utiliza e que foi repetida em inúmeras outras séries no futuro é a utilização de uma cena de abertura, trazendo uma situação absurda e muito engraçada, estando ou não relacionado ao tema do episódio e seguida da abertura. Esse tipo de cena funciona muito bem para esquentar o público para o episódio e também para viralizar nas redes sociais (se bem que a segunda, acredito que não tenha sido pensado na época).
A linguagem
A linguagem da série é sem dúvidas o seu grande trunfo. Diferente de grande parte das séries do gênero, The Office dispensa o uso de claque (as pausas com risadas e aplausos), e utiliza quase integralmente câmera na mão, e uma iluminação bem uniforme. Isso porque a série utiliza a linguagem do documentário para contar sua história. Por trás da história e dos seus personagens, existe a desculpa de que estão filmando um documentário sobre o dia a dia do escritório. Isso justificaria a presença da câmera, mas mais que isso, cria uma consciência nos personagens de estarem sendo filmados, e um jogo entre personagens e público.
Outro aspecto dessa linguagem são as entrevistas. As entrevistas dos personagens contextualizam o público, revelam as motivações dos personagens, fala de seus desejos, sonhos, e contradições. É genial como o que é falado nas entrevistas, por mais confidentes que seja, é muitas vezes negado pelas ações. Os personagens muitas vezes não estão mentindo para o público, mas para si mesmos.
A consciência da câmera também mostra um outro aspecto dos personagens e das situações. Muito do discurso da série não é expressado verbalmente, mas nas reações físicas e olhares dos atores. A comédia de The Office é tão física quanto verbal, se não mais. Ninguém precisa falar o quanto tudo aquilo é absurdo, desconfortável, engraçado, ou tedioso. Os personagens revelam isso, e às vezes se contorcem na cadeira da mesma forma que o público.
A identificação e o absurdo
A linguagem de The Office serve ao propósito de gerar identificação. Hoje, um número cada vez maior de pessoas trabalha em escritórios, em trabalhos burocráticos, entediantes, e que despendem pouco esforço físico.
A série cumpre muito bem seu papel em satirizar determinadas situações muito específicas e características desse ambiente. As relações hierárquicas e entre os colegas representadas na série emulam muito bem situações do dia a dia de muitos dos espectadores. Um exemplo pessoal disso é quando a série representa a relação dos colegas entre “Somo amigos/Não somos amigos”, onde apesar do convívio diário, alguns personagens não conseguem mapear exatamente que tipo de relação possui com os seus colegas.
Algumas outras situações não geram identificação direta, mas é passada pelo enredo e desenvolvimento dos personagens. Isso vai ficando mais presente com o avanço das temporadas, e um movimento natural de trazer mais a personalidade individual de cada personagem em detrimento do estereótipo que ele representa.
O terceiro tipo de situação são as situações completamente absurdas, que servem ora como um exagero da realidade para evidenciar um ponto discursivo, ora como simplesmente um humor non-sense. E funciona de forma brilhante, gerando cenas icônicas e lembrando o espectador que no fim a gente está vendo uma série de humor (e das boas).
Marcando uma época
Outro aspecto da série, que é engraçado, mas profundo é a forma como a transformação digital é abordada. A Dunder Mifflin é uma empresa de papel, em um mundo que começa a usar cada vez mais computadores, tablets, e informação digital, e consequentemente cada vez menos papel.
Isso aparece desde a resistência às vendas online, passando pelo boom do Power Point, e finalmente nas inúmeras crises da empresa, que levantam questionamento sobre o futuro do trabalho, modernização das empresas, empregos que deixam de existir, e também satiriza empresas de tecnologia com apresentações quase místicas. Com isso, The Office marca questões da época em que foi feita, ao mesmo tempo que se mostra mais profunda que uma simples comédia pastelão.
Os personagens
Se os roteiristas tivessem só criado um chefe que representasse o estereótipo do homem branco em posição de poder completamente sem noção para criar as cenas que chegam a doer de assistir como fizeram na série, eu já poderia dizer que eles fizeram um bom trabalho. Mas eles fazem mais que isso: eles entregam esse personagem e aos poucos nos fazem gostar dele, e em vez de torcer para que ele se dê mal, nos fazem torcer por ele e por suas empreitadas. Isso porque Michael Scott tem um coração enorme.
E não que suas ações não causem danos. A sua falta de noção cria problemas ao seu redor praticamente em todo episódio. Existem muitos momentos em que em vez de engraçado, assistir a série chega a ser uma experiência ruim e desconfortável. A gente não ri e fica olhando para a tela incrédulo, esperando o alívio que acaba nunca chegando.
Aliás, isso é uma questão importante da série. A série é muito crítica a determinados comportamentos e levanta discussões que só estão em evidência anos depois que a série foi ao ar. Mas ela faz isso sem precisar apontar os comportamentos como nocivos. Ela representa situações, e espera que o espectador entenda a crítica, sem o subestimar.
E é isso que a série faz consegue trazer: personagens caricatos, mas profundos. Cada personagem representa um estereótipo, mas ao mesmo tempo representa uma pessoa ocupando aquele lugar.
A série não é toda sobre esses momentos de profundidade, mas eles acontecem por vezes em cenas curtas, em frases nas entrevistas, e principalmente nas escadas e no estacionamento do prédio. É como se as salas do escritório fossem o palco, onde os personagens emulam as personalidades que querem mostrar para as pessoas, e o estacionamento e escadas fossem o backstage, onde as pessoas revelam quem verdadeiramente são.
Além disso, os atores de The Office fazem um trabalho fantástico. Mesmo quando não são o foco da cena, os atores aparecem como figuração, ou fazendo coisas menos evidentes. O que acontece ao fundo da cena é tão importante para essa construção quanto o que está em primeiro plano.
Os conflitos internos dos personagens, por mais incoerentes que sejam, apresentam uma coerência interna dentro da série. Por mais absurdas que sejam as situações, é plausível para o espectador que aquelas coisas aconteçam como acontecem. Pelo menos até a temporada 7.
Depois do sétimo ano, algumas mudanças no elenco obrigaram a produção da série a remanejar alguns personagens. Isso acabou ruindo a construção de alguns personagens, principalmente o Andy, interpretado por Ed Helms. É uma evidente perda de qualidade. Por outro lado, o arco de desconstrução da Ângela na última temporada foi algo bonito e profundo, e pareceu bem mais planejado.
A jornada
Mais uma coisa que torna agradável assistir a série, é acompanhar a mudança dos personagens. Desde mudanças físicas, que de uma temporada para a outra não ficam tão evidentes, mas que comparando com as primeiras ficam gritantes, até mudanças entre relações, cargos, e também mudanças de momento de vida que os personagens passam.
De certa forma, é como se a série tirasse do documentário mais do que só o jeito de filmar, mas uma nostalgia e uma captura da passagem do tempo, com algo de muito cotidiano e rotineiro.
A forma que a relação do Jim com a Pam se constrói a cada temporada é bem reveladora da jornada. Acompanhamos diferentes momentos da vida de cada um deles, as alegrias e crises, mas nunca é tratado como um grande momento, um clímax da história. Tudo é embutido no dia a dia deles no trabalho.
E com relações, não digo só as relações românticas. As relações de amizade e rivalidade também se transformam com o tempo. E muito disso não é explicitado, mas é mostrado.
E como tantas outras sitcoms, parte da jornada é a estrutura de callbacks, que são retomadas de situações e cenas que apareceram em momentos anteriores. The Office é bastante autorreferente em seu humor. Coisas que foram só citadas brevemente em um episódio, aparecem em outro, sempre agraciando o fã atento e tirando risadas.
No fim, é sobre pessoas…
E no fim, The Office é sobre pessoas. Pessoas com sonhos, falhas, tédio e rotina. Com o tempo, você acaba aceitando aquelas pessoas, gostando da presença delas. É como Michael Scott diz:
“Pessoas nunca vão ser substituídas por máquinas. No fim, vida e negócios são sobre conexões humanas. E computadores sobre tentar matar você em um lago. E pra mim, a escolha é simples”.
Bom, eu poderia fazer um livro entrando em detalhes sobre cada episódio e cada personagem, mas esse texto era só pra eu falar um pouco sobre essa série que nos últimos meses tomou um lugar tão especial no meu coração. Se você chegou até aqui, comenta aqui embaixo sobre o que achou do meu texto, o que achou que eu esqueci de comentar, e se concorda ou discorda! Vamos conversar!