Pelo direito à desconexão

Renan Baldi
3 min readApr 13, 2018

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Uma vez, um dos professores mais desafiadores que eu já tive, propôs, enquanto falava de Revolução Industrial a ideia de delimitar o espaço das fábricas. Ele partiu da discussão da associação do modelo fabril, assim como o das escolas, com o modelo prisional a partir da ideia de encarceramento dentro de um local por um determinado tempo, horários regrados para tudo, entre outras coisas que não me recordo tão bem. Segundo essa lógica, fora do período combinado, o funcionário estaria livre para fazer o que bem entende.

A partir disso, o professor deu um salto até o telefone celular como forma do patrão ter direito de acesso ao funcionário mesmo fora dos horários de serviço. Quando ele falou isso, achei um completo exagero. Talvez seja mesmo, mas achei interessante retomar essas ideias para puxar o assunto desse texto. Claro que resumir o celular a isso, sobretudo em 2018, é ignorar muita coisa. Mas acho que faz sentido falar que a partir do celular, nos é cobrada uma disponibilidade em quase qualquer hora ou lugar. Se não uma disponibilidade profissional, com certeza social.

Vamos falar sobre o que eu encontro ao abrir o meu Whatsapp. A maior parte das conversas é formada por grupos: família, igreja, faculdade, trabalho, amigos pessoais, os mesmos amigos organizando um churrasco. Quando abro o aplicativo, dou de cara com todas essas mensagens, ao mesmo tempo. E cada grupo com cerca de 100 mensagens acumuladas.

Tirando o fato de muitas mensagens dos grupos serem de pouco interesse para mim, correntes, coisas repassadas de outros grupos e vídeos aleatórios, entra uma das coisas que mais me incomodam. Eu sou meio que obrigado a acompanhar tudo. E a verdade, e isso talvez seja defeito meu, é que eu não consigo.

Eu fico irritado com o fato de ter, misturado no mesmo lugar, decisões sobre o trabalho da faculdade que estou fazendo, a pauta da reunião do projeto de não sei o que, a prisão do lula e o novo clipe da Anitta. Eu fico bagunçado. E tem vezes que simplesmente não leio. Não por falta de vontade, mas é um bloqueio mesmo. E nem preciso dizer o quão constrangedor é quando alguém pergunta pessoalmente o que achei de tal coisa que falaram no grupo e eu nem estava sabendo.

Eu não sou um desinteressado, pelo contrário. Sou entusiasta da internet e fico o dia todo conectado. E é exatamente aquele “online” que traz uma cobrança. Se alguém te perguntou algo, que você decidiu responder mais tarde, a pessoa sabe quando você esteve online, e vai considerar que você deliberadamente a ignorou. Quando a gente abre a mensagem, parece que começa um timer que vai de “responde na hora” a “babaca que não liga pra nada”. Quantas vezes eu não abri a mensagem, mesmo estando online, por não querer responder naquela hora. E isso deveria ser aceitável, não?

No final dos anos 90, começo dos anos 2000, lembro que ligar depois das 20h era considerado deselegante, e era totalmente direito da pessoa não atender. Penso que deveria ser direito nosso também escolher nossos horários para me dedicar a cada assunto da vida. Se estou no celular, posso ter escolhido aquele momento apenas para ver a timeline, ou para ver um vídeo no Youtube.

E não é sempre que não estou disposto. Existem dias em que estou animado, quero falar com todo mundo, respondo todo mundo, com a maior atenção, resolvo mil coisas. E tem dias que abrir as mensagens e notificações me dá uma sobrecarga, sei lá.

Acho que esse texto é uma espécie de desabafo, e uma forma de descobrir se sou o único que sente essa dificuldade, ou se é comum. E se faz algum sentido as coisas que falei aqui, conclamar um direito à desconexão. E a um pouco menos de flood.

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Written by Renan Baldi

Estudante de midialogia, apaixonado por histórias que me fazem sentir algo.

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